quinta-feira, 24 de abril de 2014

Cesário Verde (1855 - 1886) - um curto apontamento sobre a sua vida e obra


Nascido José Joaquim Cesário Verde, e filho de um comerciante que possuía uma loja de ferragens em Lisboa e uma quinta em Linda-a-Pastora, Cesário Verde passa a infância entre o espaço citadino e o espaço rural, binómio que será marcante na sua obra.

Em 1873, matricula-se no Curso Superior de Letras, que abandonará pouco depois, mas onde trava conhecimento com algumas figuras da vida literária de Oitocentos, como Silva Pinto, que se tornará seu grande amigo.

Durante a juventude, tem a oportunidade de viajar pelos grandes centros cosmopolitas europeus (Paris e Londres), na qualidade de correspondente comercial da loja do seu pai, e deixa vários poemas dispersos por jornais e revistas, como o Diário de Notícias, o Diário da Tarde, Novidades, A Harpa, Tribuna, Mosaico, A Evolução, Ocidente, Renascença, A Ilustração ou o Jornal de Viagens, acolhidos com apreciações críticas quase sempre desfavoráveis (Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida, Teófilo Braga) ou simplesmente ignorados.

Em 1874, aparece anunciada a edição para breve de um livro de Cesário Verde, intitulado Cânticos do Realismo, o que, porém, não sucederia. A partir de 1879, desiludido com a incompreensão do mundo intelectual ("A crítica segundo o método de Taine / Ignoram-na."; "A imprensa / Vale um desdém solene", de "Contrariedades"), Cesário dedica-se cada vez mais a assistir o pai na loja de ferragens e na exploração da quinta.

Em 1882, morre-lhe um irmão, de tuberculose, tal como a irmã, morta dez anos antes. Aos 31 anos, ele próprio morre, vítima da mesma doença. Em 1887, Silva Pinto publica a primeira edição, limitada, de O Livro de Cesário Verde, destinada a ofertas a amigos do escritor. Só em 1901 é dada à estampa uma segunda edição, já distribuída pelas livrarias.

A poesia de Cesário Verde é prefiguradora de uma modernidade estética só inteiramente reconhecida no século XX. Como afirmou Joel Serrão, "a leitura e o estudo dos testemunhos dos conviventes de Cesário dados a público aquando da morte do poeta provam que ninguém, ninguém mesmo, entendera a excepcional qualidade da poesia que o poeta negociante legara ao sempre incerto futuro", e dificilmente cabe nas classificações da história literária.

Com efeito, se a representação pictórica dos ambientes e a descrição plástica da realidade, alicerçada em notações sensoriais
Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada! -
Lidam ménages entre as gelosias.
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

(de "Num bairro moderno"),
o aproximam do
Realismo, do Parnasianismo e até do Naturalismo em poesia, mediante a busca do célebre livro baseado no "real" e na "análise"; se o interesse votado aos fracos e humildes ecoa ainda influências do Romantismo social , como podemos ver em:
Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trémulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito.
Pesada e secamente, em cima duns tapumes

(de "Desastre")
ou em:
Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

(de "Contrariedades),
não é menos verdade que a imaginação e o trabalho do poeta conduzem quase sempre a uma recriação impressionista ou fantasista da realidade.

Algumas das características principais na escrita de Cesário Verde são: um vocabulário objectivo; imagens extremamente visuais de modo a dar uma dimensão realista do mundo (daí poeta pintor); o pormenor descritivo; a mistura do físico e do moral; a combinação de sensações; o uso de sinestesias, metáforas, comparações; o emprego de dois ou mais adjectivos a qualificar o mesmo substantivo; a utilização de quadras, em versos decassilábicos ou alexandrinos; a utilização do
“enjambement”.

Dados biobibliográficos
Data e local de nascimento:
25 de Fevereiro de 1855, em Lisboa.
Data e local de morte:
19 de Julho de 1886, em Lisboa.
Outras obras editadas:
Obra Completa de Cesário Verde, 1964; Obra Poética e Epistolografia, 1999; O Sentimento dum Ocidental, 2003.

História em continuação - episódio 13


Quando vinha da escola pelo atalho do costume, um caminho que cortava pelo meio de um terreno meio selvagem que no inverno ficava empapado de lama, o Pedro deu com um pedregulho que não lhe era familiar naquele sítio. Das tantas e tantas vezes que por ali tinha passado já conhecia todas as pedras do caminho, ao ponto de quase as tratar pelo nome.  Com algum esforço, revirou-o e deu com uma data de maços de notas de 500 euros. Nunca tinha visto sequer uma nota de quinhentos, quanto mais uma quantidade destas. De quem seria aquele dinheiro? Quem o teria ali deixado? Quanto é que estaria ali no total? Uma fortuna, certamente.
Olhou para um lado e outro para ver se não vinha ninguém e se não estava a ser observado. Agachou-se e colocou a sua mochila ao lado dos maços. Começou então a empurrá-los para o seu interior.
Depois de tudo muito bem arrumado, o Pedro seguiu pelo seu caminho habitual, em direção a casa. Com os fones nos ouvidos, tentava o seu melhor para evitar pensar na pesada quantidade de dinheiro que guardava consigo dentro da mochila.
Mas era tão difícil… No meio de um turbilhão de pensamentos, entendeu que estava mais perto ainda do que pensava de chegar ao seu destino. E no fim, de tão distraído que ia, a pensar em não pensar, quase foi atropelado por um carro que passava na rua. A passadeira estava claramente à sua frente, mas ia tão distraído que até se esqueceu de ver se vinha algum carro para poder no fim atravessar a rua. O susto, pelo menos, pareceu trazê-lo de volta à realidade. Talvez isso tivesse acontecido devido à buzinadela estridente que ouviu, ou talvez pelo olhar fixo do condutor que não saía de cima dele, mesmo depois de Pedro ter atravessado a passadeira e ficar mais e mais perto de casa.- Mas que mal disposto… - murmurou o rapaz.
Apesar do susto, o Pedro continuou absorvido nos seus pensamentos. Que atitude iria ter quando chegasse a casa? Contava aos pais? Guardava o dinheiro num lugar seguro ou entregava-o simplesmente à polícia? Tantas questões e nenhuma resposta.
Com estas dúvidas na sua cabeça, o rapaz relembrou o olhar fixo do condutor, não imaginando sequer que este o continuava a perseguir. Ao chegar a casa e estando sozinho, foi a correr para o quarto, fechando a porta. Sentou-se na cama, abriu a mochila e retirou o dinheiro de dentro dela, arregalando os olhos:- Onde irei guardar este dinheiro todo? Não me recordo de ter apanhado tanto. Fixando o olhar no monte de dinheiro, decidiu ir buscar uma folha e uma caneta, para fazer uma lista das ideias que tinha, mas eram tantas que não sabia por onde começar.
Sentou-se em frente à secretária e rapidamente começou a passar para o papel todas as ideias que lhe surgiam:
• “Fazer uma viagem pelo mundo;”
• “Ajudar a minha família;”
• “Ter uma grande casa...”
Estava de tal forma contente que até parecia uma criança dentro de uma loja de doces.
A excitação era tanta, devido à possibilidade de puder vir a concretizar todos os seus sonhos, que até se esqueceu que ainda tinha que resolver um problema: onde iria esconder as notas?
De repente veio-lhe à memória a imagem do condutor que quase o tinha atropelado. Sentiu um arrepio. Algo lhe dizia que aquele homem não era boa pessoa.
Pedro pensou, pensou, voltou a pensar, e não lhe ocorria nenhuma ideia de onde guardar o dinheiro. Olhou para um lado e para o outro, e de repente fez-se um "clique" na cabeça dele. Deitou um olhar fixo ao urso de peluche e teve uma ideia brilhante:
- Ainda bem que a avó me ensinou a coser.
Rapidamente descoseu o peluche e substituiu o algodão pelas notas. Coseu o urso e pensou que assim ninguém iria saber de nada.
 
À hora do jantar, quando já estavam todos sentados à mesa, a mãe perguntou-lhe:
- Depois podes levar-me aqueles bolinhos ao novo vizinho?
- Estás sempre a dar coisas aos outros, mãe. Já viste que ninguém te dá nada? - disse ele.
A mãe, estupefacta com a resposta do filho, disse logo:
- Eu não faço isto para me darem algo em troca, Pedro! E fico muito triste que penses assim, porque não foi essa a educação que te dei.~
Quando acabou de comer, Pedro foi a casa do novo
 vizinho. Tocou à campainha e, para seu espanto, quem abriu a porta foi o condutor que quase o tinha atropelado.
O homem reconheceu-o mas nada disse, e Pedro, nervoso, ia deixando cair os bolinhos.
Mal sabia ele que tinha sido visto pelo seu novo vizinho a empurrar as notas para dentro da mochila e que, numa tentativa de ficar com o dinheiro, este o tentara atropelar.
Quando foi para casa, contou à mãe que tinha encontrado todas aquelas notas. Ela achou por bem que ele as fosse entregar à polícia, conselho que decidiu seguir. No entanto, ao sair de casa foi visto pelo vizinho a transportar o peluche, que achou a atitude muito estranha para um rapaz daquela idade e por isso decidiu segui-lo.
Sem saber que o perseguiam, Pedro ia apressadamente em direção à polícia, para entregar todo aquele dinheiro que estava escondido no peluche. O seu vizinho estava atento a cada passo dele, esperando o momento certo para o surpreender e roubar-lhe o peluche.
Àquela hora da noite, quando seguia por um caminho escuro, Pedro olhou para trás e reparou que estava a ser seguido por alguém. Por isso resolveu correr para chegar mais depressa à polícia e ver-se livre daquele dinheiro. Com a intenção de o roubar, o homem começou também a correr, e conseguiu ultrapassá-lo e bloquear-lhe o caminho. Foi então que, com um ar maléfico, disse:
- Apanhei-te!
- O que é que o senhor quer? - disse Pedro, com um ar assustado.
- Onde é que está o dinheiro? – perguntou o novo vizinho, agarrando-o pelo braço.
- Eu não sei do que é que o senhor está a falar! Tire as suas mãos de cima de mim!
Mostrando-se determinado em roubar o peluche, o vizinho atirou-o ao chão. No meio de tanta agressividade, Pedro não conseguiu deter o homem, e assim, este conseguiu o que queria. Satisfeito, correu em direção ao carro, deixando o rapaz no chão, de mãos a abanar. Este, triste e furioso, pensou em continuar o caminho até à esquadra e participar o roubo, mas a insegurança e o medo de que ninguém acreditasse nele era tanto que decidiu regressar a casa, determinado a contar tudo à mãe. Contudo, para sua surpresa esta não acreditou nele, achando que estava a mentir só para ficar com o dinheiro e que o escondera nalgum sítio antes de chegar a casa.

Muito aborrecido com esta reacção, Pedro não era capaz de acreditar, já que tudo lhe estava a correr mal, e naquele momento só pensava em vingar-se do vizinho. Por tudo isto, decidiu tomar medidas mais drásticas e foi visitar o seu amigo Bruno, com a intenção de ver se, juntos, conseguiam imaginar um plano para conseguir resgatar o dinheiro e fazer com que a mãe acreditasse nele.

No meio de tantos pensamentos, Pedro imaginara como seria se ambos, ele e o seu amigo, entrassem às escondidas em casa do novo vizinho e conseguissem resgatar o urso de peluche. Pedro já conhecia o jardim da parte de trás da sua casa, sabendo exatamente por onde entrar e como, e tinha em mente um plano que, a seus olhos, parecia ser o mais rápido e eficaz: entrar pela janela da cave do vizinho, subir para o andar de cima, procurar o urso de peluche e fugir. Talvez fácil demais, pensaram eles.

- O problema é: como vamos tirar o vizinho de dentro de casa? – perguntou o Bruno.
- Não sei, ele costuma estar sempre em casa. A minha mãe está sempre a pedir-me para ir oferecer-lhe bolinhos, e a nós nunca nos dão nada, – desabafou o Pedro.
- Eventualmente vai ter que dar agora: o urso de peluche! – exclamou o Bruno.
Depois de algum tempo a pensar como entrar sem serem vistos, decidiram estudar o horário do vizinho durante dois dias. A que horas saía, para onde ia, durante quanto tempo ficava fora e a que horas voltava. Depois de terem estudado bem o horário, tomaram então a resolução de criar um plano, mas, atrás da porta do quarto de Bruno, a sua mãe ouvira tudo, e abrira a porta de repente, olhando de maneira desconfiada, e preparando-se para dizer qualquer coisa.
Quando o Pedro e o seu amigo Bruno decidiram ir espiar o vizinho maléfico com o objetivo de roubar o peluche que continha todo o dinheiro, descobriram que o homem era ainda pior do que imaginavam… Quando estava quase a anoitecer, foram à socapa espreitar pela janela, apesar do enorme medo de serem apanhados, até que Bruno exclamou:
- Pedro! Temos que ir imediatamente embora! Este homem é completamente doido – dizia ele, aterrorizado.
- Mas o que é que aconteceu?
A cada palavra que saía da boca do amigo, Pedro ficava sem reacção possível… Ele tinha avistado corpos espalhados pela casa, enquanto o vizinho maléfico afiava várias facas com um olhar pérfido. Era um assassino em série.
Aterrorizados, os dois amigos começaram a correr para longe da casa do homem, mas com tanta pressa e receio não repararam no caixote do lixo no exterior da casa. Pedro tropeçou, fazendo ressoar um barulho que se fez ouvir em grande parte da vizinhança. Agora com ainda mais receio, após o Pedro se ter levantado rapidamente, os dois voltaram a correr ainda mais apressados em direção à casa do Pedro. Ao aproximarem-se da casa, o Bruno virou-se para Pedro e disse-lhe:
- Por agora vamos separar-nos. Vai para casa e não olhes cá para fora. Eu vou a correr até minha casa.
- Está bem, tem cuidado. - Respondeu o Pedro, e depois voltou-se e perguntou - O que fazemos em relação ao que descobrimos?
- Por agora nada… Bem, tem cuidado. Ligo-te quando chegar a casa.
 
Quando o Pedro entrou em casa ouviu na televisão uma notícia sobre um novo caso de mistério acerca de várias pessoas que tinham desaparecido.
 

Enquanto o Bruno seguia o seu percurso para casa em passo apressado, estava com um mau pressentimento. Talvez fosse fruto da sua imaginação, mas tinha a sensação de estar a ser seguido.

Assustado com esse pensamento, apressou ainda mais o passo. Por um segundo virou-se para trás e deu de caras com um sorriso amarelo que lhe fez arrepiar até o último fio de cabelo: correndo atrás dele estava o vizinho maléfico, com um machado na mão.
Começou a gritar e a correr o mais depressa que conseguia, e a velocidade a que corria era tanta que podia sentir o ar fugir-lhe dos pulmões. Tinha a secreta esperança de que alguém o pudesse ajudar, e isso dava-lhe forças para gritar e correr mais, pois sabia que, se não conseguisse, iria acabar como um daqueles corpos que ele e o Pedro tinham visto no interior da casa do assassino

 
Continuou a correr, a tentar despistar o maléfico vizinho, até que se lembrou de um lugar onde se podia esconder.
Correu e correu, até que chegou.
O seu cansaço refletia-se na sua respiração profunda. A felicidade via-se nos seus olhos e o medo corria-lhe pelas veias, deixando-o inquieto.
Preocupava-o o facto de ignorar onde se encontrava o vizinho, se este o iria encontrar e principalmente como ficariam os seus pais se ele não escapasse, mas “a esperança é sempre a última a morrer”, e tinha muita fé em como iria sair dali rapidamente e VIVO!

A esperança mantinha-se por aqueles lados, enquanto o Pedro, que já se encontrava em casa, começou a ficar muito preocupado com o amigo, que nunca mais lhe dava notícias. Decidiu então telefonar à polícia e contar tudo.
[Continuação escrita pelo Jailson]