quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Realismo e Naturalismo (2)


O REALISMO E O NATURALISMO

(1865-1890)

Enquanto o Romantismo estava demasiado ligado aos problemas e às obsessões nacionais, o Realismo, que chega a Portugal por influência estrangeira, sobretudo francesa, preocupa-se mais com os seguintes aspetos:

q  O inconformismo face à tradição;

q   Os avanços da ciência e da técnica, que sugerem que o Homem seria capaz de ultrapassar os seus limites;

q   A supremacia da verdade física, com o desenvolvimento das ciências exatas e experimentais;

q   As novas teorias filosóficas – o idealismo de Hegel, o socialismo de Proudhon, o positivismo (V) de Comte, e o evolucionismo de Darwin e Lamark - que levam à crença nos princípios de justiça e igualdade.

OUTROS ASPECTOS DO REALISMO:

q  a análise e síntese da realidade com objetividade, em oposição à subjetividade romântica;

q   A exatidão, veracidade e abundância de pormenores, com o retrato fidelíssimo da natureza;

q   A total indiferença perante o "Eu" subjetivo (o "Eu" romântico);

q   A neutralidade de coração perante o bem e o mal, o feio e o bonito, o vício e a virtude;

q   A análise corajosa de vícios e podridão da sociedade;

q   O relacionamento lógico entre as causas desse comportamento (biológicas ou sociais), e a natureza interior e exterior da personagem;

q   A admissão de temas cosmopolitas na literatura;

q   O uso de expressões simples e sem convencionalismos (por oposição ao tom declamatório romântico).

O NATURALISMO EVOLUIU DO REALISMO E É UMA ESPÉCIE DE INTENSIFICAÇÃO DESTE.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO NATURALISMO:

q  A tentativa de aplicar à literatura as descobertas e métodos da ciência do séc. XIX (filosofia, sociologia, fisiologia, psicopatologia, etc.);

q   A tentativa de explicar as emoções através da sua manifestação física (com mais razões científicas do que o simples descrever dos factos do Realismo);

q   Uma escolha de assuntos mais chocantes (alcoolismo, jogo, adultério, opressão social, doenças, as suas causas e consequências);

q   A utilização de um vocabulário mais terra a terra, com frases mais cativantes ou detalhes mais fotográficos.

Realismo e Naturalismo (1)

GÉNESE DO REALISMO


Na segunda metade do século XIX, a Europa vê-se sacudida de lés a lés por novos ventos políticos, científicos, sociais e religiosos:

q   a Espanha proclama a república em 1868;

q   a França imita-a pouco depois (em 1871, com a III República);

q   Vítor Emanuel extingue os Estados Pontíficios em 1870;

q   anos atrás desfazia-se a Santa Aliança, último reduto contra a expansão do Liberalismo.

q   Lamark insiste na evolução dos seres por influência do meio;

q   Darwin apregoa a mesma evolução pela seleção natural;

q   Huxley aplica as doutrinas transformistas ao próprio homem;

q   Mendel descobre as leis da hereditariedade.

Começa desta maneira a gerar-se uma visão materialista, ao mesmo tempo que se abre o caminho para o estudo do homem sob os aspetos psíquico e físico.

A Revolução Francesa tinha conduzido ao apogeu a burguesia capitalista.

Para maior desequilíbrio económico, o motor de explosão e o elétrico lançam agora no desemprego milhares de braços. O proletariado começa a ser um facto alarmante. Engels e Carl Marx apontam a solução comunista para a "questão social". Saint Simon, Proudhon, Fourier e outros preferem o socialismo utópico. A luta de classes prepara-se para deixar na literatura o seu rasto de dor e sangue.

Depois de 1850 os homens de letras constatam que a Química, a Física, a Biologia, a Zoologia, a Botânica, para não falarmos da Matemática, numa palavra, constatam que todas as ciências procuravam alicerçar-se em comprovadas certezas e que até os cultores da Arte se esforçavam por serem verídicos.

Desta maneira, em todos os ramos do saber se ia dizendo adeus a velhas teses, outrora admitidas sem discussão mas agora arrumadas já como falsidades.

Ora, sendo estas coisas assim, porque é que os literatos haviam de continuar presos a um sentimentalismo doentio, a um idealismo divorciado da realidade, a uma expressão hipócrita da paixão amorosa, à idealização de um mundo ideal?

Sentindo que perdiam um comboio a correr vertiginosamente para o campo da verdade nua e crua, reagiram.

Como as restantes atividades do espírito humano, a literatura começou a buscar a realidade, não a deformada pelos românticos, mas a autêntica, tal qual se apresenta sem artifícios, sem retoques.

Ainda por analogia com a técnica, a indústria e a ciência, que não conhecem fronteiras mas são as mesmas em qualquer clima, a nova arte literária deixou de ser nacionalista e revestiu-se de caráter cosmopolita.

Como consequência desta reação, nasceu o Realismo na literatura.

 

O REALISMO EM PORTUGAL

 

Portugal, nesta época, já não estava separado do resto da Europa. O caminho de ferro encurtara a distância Coimbra-Paris em meses. A barreira dos Pirinéus era ineficaz para suster o avanço rapidíssimo destas novas ideias. Por isso, a sua influência entre nós não se fez esperar.

No primeiro período do Romantismo, os escritores portugueses sofreram influências do romance histórico de Walter Scott e Vítor Hugo (Nossa Senhora de Paris sobretudo), da poesia sentimental e tradicionalista de Lamartine da evocação histórico-religiosa de Chateaubriand, do espiritualismo filosófico de Vítor Cousin, da teoria da literatura de Madame de Staël e de Shlegel.

Agora, novas influências vão entrar em ação. De França, sobretudo, chegam a Coimbra livros onde se aponta à literatura uma orientação muito diferente da seguida nas décadas anteriores. E todas as especializações do pensamento humano e da cultura vão ser afetadas em Portugal por doutrinas inovadoras nascidas no estrangeiro.

Irreligiosidade: Os novos de Coimbra comentam afirmações de Loisy e de Renan, que no seu criticismo bíblico separavam o Cristo da história do Cristo da fé. Agrada-lhes sobretudo uma religião sem dogmas, de cunho panteísta. Assumem atitudes vincadamente anticlericalistas.

Supremacia da verdade física: As ciências exatas e experimentais, secundadas pelo avanço da técnica, levaram os estudiosos a considerar a verdade física como a única válida. Facto que não se demonstre empiricamente, será facto para arrumar.

Novas teorias filosóficas: A Geração Coimbrã de 70 estuda com avidez o idealismo de Hegel, o socialismo de Proudhon, o positivismo de Comte, o evolucionismo de Darwin e Lamarck.

Materialismo otimista: Ao mesmo tempo, todos se deixam contaminar por uma esperança firme no bem estar material dos tempos futuros, devido ao auxílio da máquina. E explicam o atraso do passado por os homens se terem deixado conduzir por forças espirituais, sobretudo pela religião. Daí o manifestarem-se contra todos os cultos revelados.

 

CARACTERÍSTICAS DO REALISMO

 

Numa conferência proferida no "Casino", disse Eça de Queirós a respeito do Realismo:

"É a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencional, do enfático, do piegas. É a abolição da retórica considerada arte de promover a emoção… É a análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo é a anatomia do caráter, é a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos - para condenar o que houver de mau na nossa sociedade“.

E sobre os preceitos a seguir na nova escola, acrescentou o mesmo romancista: "A norma agora são as narrativas a frio, deslizando como as imagens na superfície de um espelho, sem intromissões do narrador. O romance tem de nos transmitir a natureza em quadros exatíssimos, flagrantes, reais".

Estas frases do autor de Os Maias são elucidativas. Aí se encontram as principais características do Realismo, que podemos resumir nas alíneas que seguem:

          Análise e síntese da objetividade, da realidade, da verdade, em oposição ao subjetivismo e idealismo românticos;

          Indiferença do "eu" subjetivo e pensante diante da Natureza que deve ser reproduzida com exatidão, veracidade e abundância de pormenores, num retrato fidelíssimo;

          Neutralidade do coração e do espírito diante do bem e do mal, do vício e da virtude, do belo e do feio;

          Análise corajosa dos aspetos baixos da vida, sobretudo dos vícios e taras, não os ocultando e chamando-os pelo seu nome;

          Relacionação lógica entre as causas (biológicas e sociais) do comportamento das personagens do romance e a natureza (exterior e interior) desse comportamento;

          Admissão na literatura do país de temas cosmopolitas em vez dos nacionais e tradicionais dos românticos;

          Uso de expressão simples e tom desafetado, de modo que as ideias, sentimentos e factos transpareçam sem esforço e sem convencionalismos (o oposto ao tom declamatório dos românticos).

 

Lembramos que o romance romântico, na sua base, é todo fruto da imaginação e do sentimentalismo do autor, que, por isso, lança mão de lugares comuns arredados da objetividade: o quimérico e o prodigioso, o ideal e o sentimento, o monstro e o super-homem. Nisto se afasta do romance realista.

 

A ESTÉTICA NATURALISTA

 

A filosofia positivista de Comte, as doutrinas de Taine, afirmando que a "virtude e o vício são produtos como o vitríolo e o açúcar", as teorias de Darwin e Haeckel sobre a hereditariedade, a adaptação ao meio e a luta pela vida levaram Zola a uma conceção determinista da existência humana.

Por causa disso, o citado escritor entendeu que o romancista não devia limitar-se a observar os acontecimentos e expô-los, como faziam os realistas; teria de mostrar, com rigor próprio da ciência, que os factos psíquicos estão sujeitos a leis rígidas como os fenómenos físicos.

Então o romance adquirirá valor social e científico.

Tal foi o princípio da chamada estética naturalista, muito afim, sem dúvida, do Realismo, a qual cedo entrou em Portugal também.

Os seus princípios podem considerar-se como características da nova corrente:

Não há distinção entre Realismo e Naturalismo;

A literatura naturalista é a expressão dos progressos da ciência (Fisiologia, Sociologia, estudo dos carateres, da evolução, da influência do meio, etc.);

O romance naturalista inspira-se na vida quotidiana, comum;

O Naturalismo deve usar o método psicológico, isto é, deve descrever as emoções através das suas manifestações físicas, com base no estudo dos fisiologistas.

 

INÍCIOS DO REALISMO EM PORTUGAL

 

Em Portugal, os princípios do Realismo foram um pouco turbulentos.

Isso deve-se ao facto de Castilho ser o mentor de grande parte dos literatos nacionais e não estar disposto a transigir com novidades que achava perigosas e condenadas a um desaparecimento próximo.

Por outro lado, a mocidade de Coimbra, que considerava ultrapassado o didatismo do poeta cego, desvencilhou-se das redes em que o grupo de Lisboa a queria prender, e seguiu o seu caminho, a golpes de polémica acesa e nem sempre calma.

Esta esgrima entre os discípulos de Castilho e os irrequietos moços de Coimbra ficou conhecida na história pelo nome de "Questão Coimbrã".

 

A «QUESTÃO COIMBRû

 

Castilho aprecia mal Teófilo e os realistas: em 1864, Teófilo Braga publicou Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras; e, no ano seguinte, saíram as Odes Modernas de Antero de Quental.

Talvez por deferência para com o velho romântico e não por desafio, Teófilo ofereceu a António Feliciano de Castilho Tempestades Sonoras. Castilho leu. Gostou dos versos mas ficou alarmado com as teorias da escola realista expostas no prefácio. Escreveu então ao jovem poeta uma carta, onde diz não atinar com a revolucionária doutrina do prólogo, que condena abertamente. Ao contrário, confessa que nas poesias encontrou "milhares de belezas de primeira ordem e assomos de uma verdadeira inspiração".

Parafraseando o título da obra, classifica as teorias do prólogo como "tempestades que ensurdecem, desorientam, terrificam"; as poesias, essas considera-as "sonoras e mais e melhor do que sonoras, lustrosas e sólidas de oiro incandescente e de diamante e montanhas de luz.

Em 1865, Pinheiro Chagas publicou "O Poema da Mocidade“. Castilho apadrinhou a obra e o autor numa carta endereçada ao editor António Maria Pereira, apensa ao volume. Alude nessa carta aos caminhos perigosos por onde tentavam arrastar a Literatura alguns grupos de Coimbra (por exemplo, a Sociedade do Raio, emigrada no Porto, constituída contra medidas tomadas pelo Reitor da Universidade).

Remédio para essa desorientação afirma só conhecer um: a nomeação de Pinheiro Chagas para professor de Literatura no Curso Superior de Letras. Pretendiam também o lugar Antero, Teófilo e Vieira de Castro. Como bom patrono de Pinheiro Chagas, Castilho pôs objeções a todos estes. Enquanto reconheceu talento e futuro a Vieira de Castro, intitulou Antero e Teófilo de jovens sem experiência, entusiasmados por teorias que corrompem, que, passados dez anos, como diz, não deixarão de repudiar. Critica-os asperamente e quase lhes pede em troca agradecimentos, que a crítica que lhes estava fazendo só contribuía para lhes antecipar, e muito, a experiência, etc.

Reacção de Antero: Num opúsculo em forma epistolar, conhecido pelo nome de "Bom Senso e Bom Gosto", Antero de Quental respondeu nesse mesmo ano de 1865 às críticas de Castilho.

Examinando uma por uma as obras do velho poeta, disse mal de todas; atacou as conceções românticas a que estava preso o "Bardo da Primavera"; e desceu ao insulto, negando-lhe experiência e confessando-se sem nenhuma consideração por ele.

Intervenções pró e contra Castilho: A defender Castilho vieram à liça Pinheiro Chagas, José de Castilho, Júlio de Castilho, Brito Aranha, Camilo Castelo Branco. Ao lado de Antero enfileiraram Teófilo Braga, Oliveira Martins, Eça de Queirós e outros.

Antero escreveu um segundo opúsculo, "A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais" (1865) e Teófilo outro com o título "Teocracias Literárias" (1866).

A questão foi-se avolumando, tendo saído pró e contra Castilho 44 folhetos.

Entretanto Ramalho Ortigão, durante algum tempo neutral, lembrou-se de intervir como árbitro e escreveu o panfleto "Literatura de Hoje" (1866). Aí critica a escola de Castilho, vaga de conteúdo; mas não perdoa a Antero o ter insultado um velho cego e chama-lhe cobarde.

Antero não gostou nada do insulto e mete-se a caminho do Porto para dar uma tareia em Ramalho. Deambulando pelas ruas do velho burgo portuense, foi cumprimentado efusivamente por Camilo, que tinha no prelo um folheto contra ele e Teófilo - "Vaidades Irritadas e Irritantes" (1866) - e que, por isso, também ficou cheio de medo.

Convenceu o autor das Odes Modernas a citar Ramalho para um duelo formal, em vez de o desancar à bengalada. Antero acabou por aceitar o duelo. Travou-se na Arca d'Água, ficando Ramalho Ortigão ligeiramente ferido.

A teimosia e a convicção de Antero são um símbolo. A nova escola tinha de vingar. Aos poucos os velhos românticos foram ficando em silêncio e o Realismo fez a sua época triunfante.

 

AS «CONFERÊNCIAS DO CASINO»

 


Quando se deu a «Questão Coimbrã», quase todos os adeptos do Realismo eram estudantes. Terminados os cursos, cada um foi para o seu sítio, permanecendo, porém, unidos no ideal.

Antero viajou pela França, América e Açores. Regressando a Lisboa, lembrou-se, juntamente com outros, de organizar uma série de conferências onde se expusessem "as grandes questões contemporâneas religiosas, literárias, políticas, sociais e científicas, num espírito de franqueza, coragem e positivismo" como disse em carta a Teófilo Braga. Se passavam a vida a ler Proudhon, Hegel e até Carl Marx, bom seria - afirmava - que cada semana se lançasse "uma ideia ou duas para o meio da massa adormecida do público".

A iniciativa foi avante e começaram as chamadas "Conferências Democráticas do Casino Lisbonense", numa sala de aluguer da esquina da Travessa da Trindade (hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro).

Finalidade das Conferências: numa proclamação, publicada n'A Revolução de Setembro de 18 de Maio de 1871 e assinada por Antero, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga, vem expressa com clareza a finalidade das conferências:

          Expor ideias e trabalhos que se preocupem com a transformação social, moral e política dos povos;

          Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;

          Procurar adquirir consciência dos factos que nos rodeiam na Europa;

          Agitar na opinião pública as grandes questões da filosofia e da ciência moderna;

          Estudar as questões da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;

É curioso notar que este programa se orientava para uma dupla finalidade: livre discussão de ideias, por princípio mas também propaganda aberta, senão imposição, dum ideal revolucionário: republicanismo, socialismo, religiosismo interior sem dogmas e sem hierarquia, função social da arte, etc.

Conferências realizadas: A sala das conferências estava aberta a toda a classe de pessoas, exigindo-se apenas o pagamento de um tostão para despesas.

E começaram; após um discurso inaugural de Antero com o título "O Espírito das Conferências" (22 de Maio de 1871), ele mesmo proferiu, em 29 de Maio a primeira conferência.

 


1ª. Conferência: "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares" - segundo o autor, essas causas reduzem-se a três:

q   a cintura em que o Catolicismo da Contra-Reforma isolara a Península das ideias do resto da Europa;

q   a centralização do poder nas mãos dos reis e a diminuição das liberdades concelhias;

q   o excessivo desenvolvimento das conquistas, que arruinaram a economia portuguesa.

 

2ª. Conferência: "Literatura Portuguesa" - teve lugar em 5 de Junho e proferiu-a Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras.

Afirmou que Portugal só tivera autêntica literatura em Gil Vicente, Camões, Soares dos Passos e Júlio Dinis.

Mostrou-se defensor de gostos estéticos universais, negando que a literatura verdadeira tenha de andar sujeita ao paladar dos tempos e escolas.

Também não admite a literatura como expressão da sociedade.

Disse que entre nós não se sabia ainda o que é o romance.

Causas desta decadência? A Imprensa. Remédios? O regresso à educação e à literatura com base na moral e com Deus por finalidade.

 

3ª. Conferência: "O Realismo como nova expressão da arte" - fez esta conferência, em 12 de Junho, Eça de Queirós.

Defendeu teorias estéticas relativistas (estética condicionada pelo solo, clima, raça, cultura, política, etc.), inspiradas em Proudhon.

Condenou a fórmula "arte pela arte.

A arte, deve ter uma finalidade: corrigir e ensinar. Para isso, tem de basear-se na lei moral e científica.

Só no Realismo é que é possível criar uma arte assim, uma arte capaz de revolucionar a sociedade.

Segundo Eça, a arte literária deve ter três qualidades essenciais: ser bela, justa e verdadeira.

 

4ª. Conferência: "O Ensino" - pronunciou-a Adolfo Coelho, em 19 de Julho.

O conferencista, professor do Curso Superior de Letras, criticou todas as instituições escolares portuguesas desde a escola primária à universidade.

Propugna o desenvolvimento dos estudos filosóficos e sociais e defende o laicismo no ensino.

 

Proibição das Conferências: Estava anunciada para 26 de Junho a conferência de Salomão Sáragga sobre "Os Historiadores Críticos de Jesus". Quando o público já se dirigia para a sala foi notificado de que uma portaria assinada pelo Marquês de Ávila e Bolama, presidente do Ministério, proibia de vez a continuação das conferências, sob pretexto de atacarem a religião e as instituições políticas do Estado. Os organizadores, furiosos, dirigiram-se ao Café Central no Rossio. Aí redigiu Antero um comunicado de protesto, que veio publicado nos jornais do dia seguinte. De nada adiantou.

Assim, ficaram para sempre silenciosos, além da citada de Salomão Sáragga, as conferências já anunciadas de Batalha Reis (O Socialismo) ,de Antero de Quental (A República), de Adolfo Coelho (A Instrução Primária) e de Augusto Fuschini (Dedução Positiva da Ideia Democrática).

Não obstante a sua curta duração, não podemos deixar de assinalar o impulso que estas conferências deram às doutrinas do Realismo, já expostas nos folhetos da "Questão Coimbrã".

 

«AS FARPAS»

 


Publicação: no mesmo ano em que tiveram lugar as conferências, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão iniciaram a publicação de "uma crónica mensal da política, das letras e dos costumes" (como diz Eça em carta a Emídio Garcia).

Saiu essa crónica com o nome sugestivo "As Farpas".

Por mais de uma vez Eça comparou a sociedade portuguesa do seu tempo a um animal dorminhoco, pachorrentamente imobilizado na arena do mundo.

Entendeu que a arte realista tinha por missão farpear esse animal, a ver se sairia da imobilidade glacial em que hibernava.

Não quis usar bons modos nem palavras mimadas; preferiu a sátira e a ironia.

Essa é a razão de ser do periódico.

Colaboração de Eça: Eça não colaborou n‘«As Farpas» durante muito tempo. Em 1872, retirou-se para Cuba, ficando Ramalho sozinho. Enquanto Eça pontificou, «As Farpas» encheram-se de críticas verrinosas a muitas instituições e costumes tradicionais e à literatura romântica. Por esta razão, contribuíram também para o advento do Realismo, como a "Questão Coimbrã" e as "Conferências do Casino".

Sob o aspecto literário, Eça critica: o lirismo romântico, hipócrita e mentiroso; o romance passional, apoteose de adultérios; o teatro, puramente declamatório. O estilo é sempre humorístico, zombeteiro. Desejavam os críticos emendar o mundo com o riso, de harmonia com o ridendo castigat mores "o riso é um castigo; o riso é uma filosofia" - afirmavam os dois, armados em bandarilheiros. E acrescentavam: "passa-se sete vezes uma gargalhada à volta de uma instituição, e a instituição alui-se".

Os artigos de Eça de Queirós foram reunidos em dois volumes e publicados com o título de Uma Campanha Alegre (1890-1891).

Colaboração de Ramalho: O temperamento e a educação de Ramalho Ortigão não eram de molde a levá-lo a passar a vida a dar pontapés na entorpecida sociedade portuguesa. Saído da velha geração romântica, só tarde aderiu ao Realismo. Deixou-se levar por Eça na corrente. Porém, logo que pôde, saltou para a margem e orientou a actividade literária para destino diferente. Continuou a publicação d' «As Farpas», lançando para as mãos dos leitores um total de 15 volumes. Mas o conteúdo começou a ser outro. Sem deixar de fazer crítica, procurou ser mais construtivo do que demolidor. E ei-lo transformado em mestre que ensina: orientações pedagógicas, princípios higiénicos, normas de conduta social.

Peregrinando através das terras de Portugal, viu-se enfeitiçado pela paisagem e pelo povo e descreve com entusiasmo e gosto: o colorido das feiras e arraiais; a beleza das cidades, vilas e aldeias; a policromia dos trajes regionais, o pitoresco das praias e termas.
Ramalho Ortigão arredou-se do caminho inicial. No final de «As Farpas», atreve-se a criticar até os primeiros anos do governo republicano e o liberalismo.

 

CONCLUSÃO

 

O movimento realista, iniciado com a "Questão Coimbrã", recebeu enorme impulso das "Conferências do Casino" e começou a ser concretizado nos artigos d‘«As Farpas».

Depois de 1870, mesmo os seus mais irredutíveis adversários, como Camilo, vergavam a coluna ao jogo das novas teorias da arte.

E ou as tentavam (foi o caso do velho romancista) ou então perdiam os leitores.

Eça de Queirós não tardaria a captar as simpatias do público com os seus romances e com uma prosa diferente da antiga.

O Romantismo sofreu uma remodelação total.

História em continuação - Episódio 12

Quando vinha da escola pelo atalho do costume, um caminho que cortava pelo meio de um terreno meio selvagem que no inverno ficava empapado de lama, o Pedro deu com um pedregulho que não lhe era familiar naquele sítio. Das tantas e tantas vezes que por ali tinha passado já conhecia todas as pedras do caminho, ao ponto de quase as tratar pelo nome.  Com algum esforço, revirou-o e deu com uma data de maços de notas de 500 euros. Nunca tinha visto sequer uma nota de quinhentos, quanto mais uma quantidade destas. De quem seria aquele dinheiro? Quem o teria ali deixado? Quanto é que estaria ali no total? Uma fortuna, certamente.
Olhou para um lado e outro para ver se não vinha ninguém e se não estava a ser observado. Agachou-se e colocou a sua mochila ao lado dos maços. Começou então a empurrá-los para o seu interior.
Depois de tudo muito bem arrumado, o Pedro seguiu pelo seu caminho habitual, em direção a casa. Com os fones nos ouvidos, tentava o seu melhor para evitar pensar na pesada quantidade de dinheiro que guardava consigo dentro da mochila.
Mas era tão difícil… No meio de um turbilhão de pensamentos, entendeu que estava mais perto ainda do que pensava de chegar ao seu destino. E no fim, de tão distraído que ia, a pensar em não pensar, quase foi atropelado por um carro que passava na rua. A passadeira estava claramente à sua frente, mas ia tão distraído que até se esqueceu de ver se vinha algum carro para poder no fim atravessar a rua. O susto, pelo menos, pareceu trazê-lo de volta à realidade. Talvez isso tivesse acontecido devido à buzinadela estridente que ouviu, ou talvez pelo olhar fixo do condutor que não saía de cima dele, mesmo depois de Pedro ter atravessado a passadeira e ficar mais e mais perto de casa.- Mas que mal disposto… - murmurou o rapaz.
Apesar do susto, o Pedro continuou absorvido nos seus pensamentos. Que atitude iria ter quando chegasse a casa? Contava aos pais? Guardava o dinheiro num lugar seguro ou entregava-o simplesmente à polícia? Tantas questões e nenhuma resposta.
Com estas dúvidas na sua cabeça, o rapaz relembrou o olhar fixo do condutor, não imaginando sequer que este o continuava a perseguir. Ao chegar a casa e estando sozinho, foi a correr para o quarto, fechando a porta. Sentou-se na cama, abriu a mochila e retirou o dinheiro de dentro dela, arregalando os olhos:- Onde irei guardar este dinheiro todo? Não me recordo de ter apanhado tanto. Fixando o olhar no monte de dinheiro, decidiu ir buscar uma folha e uma caneta, para fazer uma lista das ideias que tinha, mas eram tantas que não sabia por onde começar.
Sentou-se em frente à secretária e rapidamente começou a passar para o papel todas as ideias que lhe surgiam:
• “Fazer uma viagem pelo mundo;”
• “Ajudar a minha família;”
• “Ter uma grande casa...”
Estava de tal forma contente que até parecia uma criança dentro de uma loja de doces.
A excitação era tanta, devido à possibilidade de puder vir a concretizar todos os seus sonhos, que até se esqueceu que ainda tinha que resolver um problema: onde iria esconder as notas?
De repente veio-lhe à memória a imagem do condutor que quase o tinha atropelado. Sentiu um arrepio. Algo lhe dizia que aquele homem não era boa pessoa.
Pedro pensou, pensou, voltou a pensar, e não lhe ocorria nenhuma ideia de onde guardar o dinheiro. Olhou para um lado e para o outro, e de repente fez-se um "clique" na cabeça dele. Deitou um olhar fixo ao urso de peluche e teve uma ideia brilhante:
- Ainda bem que a avó me ensinou a coser.
Rapidamente descoseu o peluche e substituiu o algodão pelas notas. Coseu o urso e pensou que assim ninguém iria saber de nada.
À hora do jantar, quando já estavam todos sentados à mesa, a mãe perguntou-lhe:
- Depois podes levar-me aqueles bolinhos ao novo vizinho?
- Estás sempre a dar coisas aos outros, mãe. Já viste que ninguém te dá nada? - disse ele.
A mãe, estupefacta com a resposta do filho, disse logo:
- Eu não faço isto para me darem algo em troca, Pedro! E fico muito triste que penses assim, porque não foi essa a educação que te dei.~
Quando acabou de comer, Pedro foi a casa do novo vizinho. Tocou à campainha e, para seu espanto, quem abriu a porta foi o condutor que quase o tinha atropelado.
O homem reconheceu-o mas nada disse, e Pedro, nervoso, ia deixando cair os bolinhos.
Mal sabia ele que tinha sido visto pelo seu novo vizinho a empurrar as notas para dentro da mochila e que, numa tentativa de ficar com o dinheiro, este o tentara atropelar.
Quando foi para casa, contou à mãe que tinha encontrado todas aquelas notas. Ela achou por bem que ele as fosse entregar à polícia, conselho que decidiu seguir. No entanto, ao sair de casa foi visto pelo vizinho a transportar o peluche, que achou a atitude muito estranha para um rapaz daquela idade e por isso decidiu segui-lo.
Sem saber que o perseguiam, Pedro ia apressadamente em direção à polícia, para entregar todo aquele dinheiro que estava escondido no peluche. O seu vizinho estava atento a cada passo dele, esperando o momento certo para o surpreender e roubar-lhe o peluche.
Àquela hora da noite, quando seguia por um caminho escuro, Pedro olhou para trás e reparou que estava a ser seguido por alguém. Por isso resolveu correr para chegar mais depressa à polícia e ver-se livre daquele dinheiro. Com a intenção de o roubar, o homem começou também a correr, e conseguiu ultrapassá-lo e bloquear-lhe o caminho. Foi então que, com um ar maléfico, disse:
- Apanhei-te!
- O que é que o senhor quer? - disse Pedro, com um ar assustado.
- Onde é que está o dinheiro? – perguntou o novo vizinho, agarrando-o pelo braço.
- Eu não sei do que é que o senhor está a falar! Tire as suas mãos de cima de mim!
Mostrando-se determinado em roubar o peluche, o vizinho atirou-o ao chão. No meio de tanta agressividade, Pedro não conseguiu deter o homem, e assim, este conseguiu o que queria. Satisfeito, correu em direção ao carro, deixando o rapaz no chão, de mãos a abanar. Este, triste e furioso, pensou em continuar o caminho até à esquadra e participar o roubo, mas a insegurança e o medo de que ninguém acreditasse nele era tanto que decidiu regressar a casa, determinado a contar tudo à mãe. Contudo, para sua surpresa esta não acreditou nele, achando que estava a mentir só para ficar com o dinheiro e que o escondera nalgum sítio antes de chegar a casa.

Muito aborrecido com esta reacção, Pedro não era capaz de acreditar, já que tudo lhe estava a correr mal, e naquele momento só pensava em vingar-se do vizinho. Por tudo isto, decidiu tomar medidas mais drásticas e foi visitar o seu amigo Bruno, com a intenção de ver se, juntos, conseguiam imaginar um plano para conseguir resgatar o dinheiro e fazer com que a mãe acreditasse nele.

No meio de tantos pensamentos, Pedro imaginara como seria se ambos, ele e o seu amigo, entrassem às escondidas em casa do novo vizinho e conseguissem resgatar o urso de peluche. Pedro já conhecia o jardim da parte de trás da sua casa, sabendo exatamente por onde entrar e como, e tinha em mente um plano que, a seus olhos, parecia ser o mais rápido e eficaz: entrar pela janela da cave do vizinho, subir para o andar de cima, procurar o urso de peluche e fugir. Talvez fácil demais, pensaram eles.
- O problema é: como vamos tirar o vizinho de dentro de casa? – perguntou o Bruno.
- Não sei, ele costuma estar sempre em casa. A minha mãe está sempre a pedir-me para ir oferecer-lhe bolinhos, e a nós nunca nos dão nada, – desabafou o Pedro.
- Eventualmente vai ter que dar agora: o urso de peluche! – exclamou o Bruno.
Depois de algum tempo a pensar como entrar sem serem vistos, decidiram estudar o horário do vizinho durante dois dias. A que horas saía, para onde ia, durante quanto tempo ficava fora e a que horas voltava. Depois de terem estudado bem o horário, tomaram então a resolução de criar um plano, mas, atrás da porta do quarto de Bruno, a sua mãe ouvira tudo, e abrira a porta de repente, olhando de maneira desconfiada, e preparando-se para dizer qualquer coisa.
Quando o Pedro e o seu amigo Bruno decidiram ir espiar o vizinho maléfico com o objetivo de roubar o peluche que continha todo o dinheiro, descobriram que o homem era ainda pior do que imaginavam… Quando estava quase a anoitecer, foram à socapa espreitar pela janela, apesar do enorme medo de serem apanhados, até que Bruno exclamou:
- Pedro! Temos que ir imediatamente embora! Este homem é completamente doido – dizia ele, aterrorizado.
- Mas o que é que aconteceu?
A cada palavra que saía da boca do amigo, Pedro ficava sem reacção possível… Ele tinha avistado corpos espalhados pela casa, enquanto o vizinho maléfico afiava várias facas com um olhar pérfido. Era um assassino em série.
Aterrorizados, os dois amigos começaram a correr para longe da casa do homem, mas com tanta pressa e receio não repararam no caixote do lixo no exterior da casa. Pedro tropeçou, fazendo ressoar um barulho que se fez ouvir em grande parte da vizinhança. Agora com ainda mais receio, após o Pedro se ter levantado rapidamente, os dois voltaram a correr ainda mais apressados em direção à casa do Pedro. Ao aproximarem-se da casa, o Bruno virou-se para Pedro e disse-lhe:
- Por agora vamos separar-nos. Vai para casa e não olhes cá para fora. Eu vou a correr até minha casa.
- Está bem, tem cuidado. - Respondeu o Pedro, e depois voltou-se e perguntou - O que fazemos em relação ao que descobrimos?
- Por agora nada… Bem, tem cuidado. Ligo-te quando chegar a casa.
Quando o Pedro entrou em casa ouviu na televisão uma notícia sobre um novo caso de mistério acerca de várias pessoas que tinham desaparecido.
 

Enquanto o Bruno seguia o seu percurso para casa em passo apressado, estava com um mau pressentimento. Talvez fosse fruto da sua imaginação, mas tinha a sensação de estar a ser seguido.
Assustado com esse pensamento, apressou ainda mais o passo. Por um segundo virou-se para trás e deu de caras com um sorriso amarelo que lhe fez arrepiar até o último fio de cabelo: correndo atrás dele estava o vizinho maléfico, com um machado na mão.
Começou a gritar e a correr o mais depressa que conseguia, e a velocidade a que corria era tanta que podia sentir o ar fugir-lhe dos pulmões. Tinha a secreta esperança de que alguém o pudesse ajudar, e isso dava-lhe forças para gritar e correr mais, pois sabia que, se não conseguisse, iria acabar como um daqueles corpos que ele e o Pedro tinham visto no interior da casa do assassino. 

[Continuação escrita pela Cassandra]