GÉNESE DO
REALISMO
Na
segunda metade do século XIX, a Europa vê-se sacudida de lés a lés por novos
ventos políticos, científicos, sociais e religiosos:
q a Espanha proclama a república em 1868;
q a França imita-a pouco depois (em 1871, com a
III República);
q Vítor Emanuel extingue os Estados Pontíficios
em 1870;
q anos atrás desfazia-se a Santa Aliança, último
reduto contra a expansão do Liberalismo.
q Lamark insiste na evolução dos seres por
influência do meio;
q Darwin apregoa a mesma evolução pela seleção
natural;
q Huxley aplica as doutrinas transformistas ao
próprio homem;
q Mendel descobre as leis da hereditariedade.
Começa
desta maneira a gerar-se uma visão materialista, ao mesmo tempo que se abre o
caminho para o estudo do homem sob os aspetos psíquico e físico.
A
Revolução Francesa tinha conduzido ao apogeu a burguesia capitalista.
Para
maior desequilíbrio económico, o motor de explosão e o elétrico lançam agora no
desemprego milhares de braços. O proletariado começa a ser um facto alarmante.
Engels e Carl Marx apontam a solução comunista para a "questão
social". Saint Simon, Proudhon, Fourier e outros preferem o socialismo
utópico. A luta de classes prepara-se para deixar na literatura o seu rasto de
dor e sangue.
Depois
de 1850 os homens de letras constatam que a Química, a Física, a Biologia, a
Zoologia, a Botânica, para não falarmos da Matemática, numa palavra, constatam
que todas as ciências procuravam alicerçar-se em comprovadas certezas e que até
os cultores da Arte se esforçavam por serem verídicos.
Desta
maneira, em todos os ramos do saber se ia dizendo adeus a velhas teses, outrora
admitidas sem discussão mas agora arrumadas já como falsidades.
Ora,
sendo estas coisas assim, porque é que os literatos haviam de continuar presos
a um sentimentalismo doentio, a um idealismo divorciado da realidade, a uma
expressão hipócrita da paixão amorosa, à idealização de um mundo ideal?
Sentindo
que perdiam um comboio a correr vertiginosamente para o campo da verdade nua e
crua, reagiram.
Como
as restantes atividades do espírito humano, a literatura começou a buscar a
realidade, não a deformada pelos românticos, mas a autêntica, tal qual se
apresenta sem artifícios, sem retoques.
Ainda
por analogia com a técnica, a indústria e a ciência, que não conhecem
fronteiras mas são as mesmas em qualquer clima, a nova arte literária deixou de
ser nacionalista e revestiu-se de caráter cosmopolita.
Como
consequência desta reação, nasceu o Realismo na literatura.
O REALISMO EM PORTUGAL
Portugal,
nesta época, já não estava separado do resto da Europa. O caminho de ferro
encurtara a distância Coimbra-Paris em meses. A barreira dos Pirinéus era
ineficaz para suster o avanço rapidíssimo destas novas ideias. Por isso, a sua
influência entre nós não se fez esperar.
No
primeiro período do Romantismo, os escritores portugueses sofreram influências
do romance histórico de Walter Scott e Vítor Hugo (Nossa Senhora de Paris
sobretudo), da poesia sentimental e tradicionalista de Lamartine da evocação
histórico-religiosa de Chateaubriand, do espiritualismo filosófico de Vítor
Cousin, da teoria da literatura de Madame de Staël e de Shlegel.
Agora,
novas influências vão entrar em ação. De França, sobretudo, chegam a Coimbra
livros onde se aponta à literatura uma orientação muito diferente da seguida
nas décadas anteriores. E todas as especializações do pensamento humano e da
cultura vão ser afetadas em Portugal por doutrinas inovadoras nascidas no
estrangeiro.
Irreligiosidade:
Os novos de Coimbra comentam afirmações de Loisy e de Renan, que no seu
criticismo bíblico separavam o Cristo da história do Cristo da fé. Agrada-lhes
sobretudo uma religião sem dogmas, de cunho panteísta. Assumem atitudes
vincadamente anticlericalistas.
Supremacia
da verdade física: As ciências exatas e experimentais, secundadas pelo avanço
da técnica, levaram os estudiosos a considerar a verdade física como a única
válida. Facto que não se demonstre empiricamente, será facto para arrumar.
Novas
teorias filosóficas: A Geração Coimbrã de 70 estuda com avidez o idealismo de
Hegel, o socialismo de Proudhon, o positivismo de Comte, o evolucionismo de
Darwin e Lamarck.
Materialismo
otimista: Ao mesmo tempo, todos se deixam contaminar por uma esperança firme no
bem estar material dos tempos futuros, devido ao auxílio da máquina. E explicam
o atraso do passado por os homens se terem deixado conduzir por forças
espirituais, sobretudo pela religião. Daí o manifestarem-se contra todos os
cultos revelados.
CARACTERÍSTICAS DO REALISMO
Numa
conferência proferida no "Casino", disse Eça de Queirós a respeito do
Realismo:
"É
a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencional, do enfático, do
piegas. É a abolição da retórica considerada arte de promover a emoção… É a
análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o Realismo é uma reação
contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo é a
anatomia do caráter, é a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos
próprios olhos - para condenar o que houver de mau na nossa sociedade“.
E
sobre os preceitos a seguir na nova escola, acrescentou o mesmo romancista:
"A norma agora são as narrativas a frio, deslizando como as imagens na
superfície de um espelho, sem intromissões do narrador. O romance tem de nos
transmitir a natureza em quadros exatíssimos, flagrantes, reais".
Estas
frases do autor de Os Maias são elucidativas. Aí se encontram as
principais características do Realismo, que podemos resumir nas alíneas que
seguem:
•
Análise e síntese da objetividade, da realidade,
da verdade, em oposição ao subjetivismo e idealismo românticos;
•
Indiferença do "eu" subjetivo e pensante
diante da Natureza que deve ser reproduzida com exatidão, veracidade e
abundância de pormenores, num retrato fidelíssimo;
•
Neutralidade do coração e do espírito diante do
bem e do mal, do vício e da virtude, do belo e do feio;
•
Análise corajosa dos aspetos baixos da vida,
sobretudo dos vícios e taras, não os ocultando e chamando-os pelo seu nome;
•
Relacionação lógica entre as causas (biológicas e
sociais) do comportamento das personagens do romance e a natureza (exterior e
interior) desse comportamento;
•
Admissão na literatura do país de temas
cosmopolitas em vez dos nacionais e tradicionais dos românticos;
•
Uso de expressão simples e tom desafetado, de modo
que as ideias, sentimentos e factos transpareçam sem esforço e sem
convencionalismos (o oposto ao tom declamatório dos românticos).
Lembramos
que o romance romântico, na sua base, é todo fruto da imaginação e do
sentimentalismo do autor, que, por isso, lança mão de lugares comuns arredados
da objetividade: o quimérico e o prodigioso, o ideal e o sentimento, o monstro
e o super-homem. Nisto se afasta do romance realista.
A ESTÉTICA NATURALISTA
A
filosofia positivista de Comte, as doutrinas de Taine, afirmando que a
"virtude e o vício são produtos como o vitríolo e o açúcar", as
teorias de Darwin e Haeckel sobre a hereditariedade, a adaptação ao meio e a
luta pela vida levaram Zola a uma conceção determinista da existência humana.
Por
causa disso, o citado escritor entendeu que o romancista não devia limitar-se a
observar os acontecimentos e expô-los, como faziam os realistas; teria de
mostrar, com rigor próprio da ciência, que os factos psíquicos estão sujeitos a
leis rígidas como os fenómenos físicos.
Então
o romance adquirirá valor social e científico.
Tal
foi o princípio da chamada estética naturalista, muito afim, sem dúvida, do
Realismo, a qual cedo entrou em Portugal também.
Os
seus princípios podem considerar-se como características da nova corrente:
Não
há distinção entre Realismo e Naturalismo;
A
literatura naturalista é a expressão dos progressos da ciência (Fisiologia,
Sociologia, estudo dos carateres, da evolução, da influência do meio, etc.);
O
romance naturalista inspira-se na vida quotidiana, comum;
O
Naturalismo deve usar o método psicológico, isto é, deve descrever as emoções através
das suas manifestações físicas, com base no estudo dos fisiologistas.
INÍCIOS DO REALISMO EM PORTUGAL
Em
Portugal, os princípios do Realismo foram um pouco turbulentos.
Isso
deve-se ao facto de Castilho ser o mentor de grande parte dos literatos
nacionais e não estar disposto a transigir com novidades que achava perigosas e
condenadas a um desaparecimento próximo.
Por
outro lado, a mocidade de Coimbra, que considerava ultrapassado o didatismo do
poeta cego, desvencilhou-se das redes em que o grupo de Lisboa a queria
prender, e seguiu o seu caminho, a golpes de polémica acesa e nem sempre calma.
Esta
esgrima entre os discípulos de Castilho e os irrequietos moços de Coimbra ficou
conhecida na história pelo nome de "Questão Coimbrã".
A «QUESTÃO COIMBRû
Castilho
aprecia mal Teófilo e os realistas: em 1864, Teófilo Braga publicou Visão
dos Tempos e Tempestades Sonoras; e, no ano seguinte, saíram as Odes
Modernas de Antero de Quental.
Talvez
por deferência para com o velho romântico e não por desafio, Teófilo ofereceu a
António Feliciano de Castilho Tempestades Sonoras. Castilho leu. Gostou
dos versos mas ficou alarmado com as teorias da escola realista expostas no
prefácio. Escreveu então ao jovem poeta uma carta, onde diz não atinar com a
revolucionária doutrina do prólogo, que condena abertamente. Ao contrário,
confessa que nas poesias encontrou "milhares de belezas de primeira ordem
e assomos de uma verdadeira inspiração".
Parafraseando
o título da obra, classifica as teorias do prólogo como "tempestades que
ensurdecem, desorientam, terrificam"; as poesias, essas considera-as
"sonoras e mais e melhor do que sonoras, lustrosas e sólidas de oiro
incandescente e de diamante e montanhas de luz.
Em
1865, Pinheiro Chagas publicou "O Poema da Mocidade“. Castilho apadrinhou
a obra e o autor numa carta endereçada ao editor António Maria Pereira, apensa
ao volume. Alude nessa carta aos caminhos perigosos por onde tentavam arrastar
a Literatura alguns grupos de Coimbra (por exemplo, a Sociedade do Raio,
emigrada no Porto, constituída contra medidas tomadas pelo Reitor da
Universidade).
Remédio
para essa desorientação afirma só conhecer um: a nomeação de Pinheiro Chagas
para professor de Literatura no Curso Superior de Letras. Pretendiam também o
lugar Antero, Teófilo e Vieira de Castro. Como bom patrono de Pinheiro Chagas,
Castilho pôs objeções a todos estes. Enquanto reconheceu talento e futuro a
Vieira de Castro, intitulou Antero e Teófilo de jovens sem experiência,
entusiasmados por teorias que corrompem, que, passados dez anos, como diz, não
deixarão de repudiar. Critica-os asperamente e quase lhes pede em troca
agradecimentos, que a crítica que lhes estava fazendo só contribuía para lhes
antecipar, e muito, a experiência, etc.
Reacção
de Antero: Num opúsculo em forma epistolar, conhecido pelo nome de "Bom
Senso e Bom Gosto", Antero de Quental respondeu nesse mesmo ano de 1865 às
críticas de Castilho.
Examinando
uma por uma as obras do velho poeta, disse mal de todas; atacou as conceções
românticas a que estava preso o "Bardo da Primavera"; e desceu ao
insulto, negando-lhe experiência e confessando-se sem nenhuma consideração por
ele.
Intervenções
pró e contra Castilho: A defender Castilho vieram à liça Pinheiro Chagas, José
de Castilho, Júlio de Castilho, Brito Aranha, Camilo Castelo Branco. Ao lado de
Antero enfileiraram Teófilo Braga, Oliveira Martins, Eça de Queirós e outros.
Antero
escreveu um segundo opúsculo, "A Dignidade das Letras e as Literaturas
Oficiais" (1865) e Teófilo outro com o título "Teocracias
Literárias" (1866).
A
questão foi-se avolumando, tendo saído pró e contra Castilho 44 folhetos.
Entretanto
Ramalho Ortigão, durante algum tempo neutral, lembrou-se de intervir como
árbitro e escreveu o panfleto "Literatura de Hoje" (1866). Aí critica
a escola de Castilho, vaga de conteúdo; mas não perdoa a Antero o ter insultado
um velho cego e chama-lhe cobarde.
Antero
não gostou nada do insulto e mete-se a caminho do Porto para dar uma tareia em
Ramalho. Deambulando pelas ruas do velho burgo portuense, foi cumprimentado
efusivamente por Camilo, que tinha no prelo um folheto contra ele e Teófilo - "Vaidades
Irritadas e Irritantes" (1866) - e que, por isso, também ficou cheio de
medo.
Convenceu
o autor das Odes Modernas a citar Ramalho para um duelo formal, em vez
de o desancar à bengalada. Antero acabou por aceitar o duelo. Travou-se na Arca
d'Água, ficando Ramalho Ortigão ligeiramente ferido.
A
teimosia e a convicção de Antero são um símbolo. A nova escola tinha de vingar.
Aos poucos os velhos românticos foram ficando em silêncio e o Realismo fez a
sua época triunfante.
AS «CONFERÊNCIAS DO CASINO»
Quando
se deu a «Questão Coimbrã», quase todos os adeptos do Realismo eram estudantes.
Terminados os cursos, cada um foi para o seu sítio, permanecendo, porém, unidos
no ideal.
Antero
viajou pela França, América e Açores. Regressando a Lisboa, lembrou-se,
juntamente com outros, de organizar uma série de conferências onde se
expusessem "as grandes questões contemporâneas religiosas, literárias,
políticas, sociais e científicas, num espírito de franqueza, coragem e
positivismo" como disse em carta a Teófilo Braga. Se passavam a vida a ler
Proudhon, Hegel e até Carl Marx, bom seria - afirmava - que cada semana se
lançasse "uma ideia ou duas para o meio da massa adormecida do
público".
A
iniciativa foi avante e começaram as chamadas "Conferências Democráticas
do Casino Lisbonense", numa sala de aluguer da esquina da Travessa da
Trindade (hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro).
Finalidade
das Conferências: numa proclamação, publicada n'A Revolução de Setembro
de 18 de Maio de 1871 e assinada por Antero, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho,
Augusto Fuschini, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Eça de
Queirós, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga,
vem expressa com clareza a finalidade das conferências:
•
Expor ideias e trabalhos que se preocupem com a
transformação social, moral e política dos povos;
•
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o
assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;
•
Procurar adquirir consciência dos factos que nos
rodeiam na Europa;
•
Agitar na opinião pública as grandes questões da
filosofia e da ciência moderna;
•
Estudar as questões da transformação política,
económica e religiosa da sociedade portuguesa;
É
curioso notar que este programa se orientava para uma dupla finalidade: livre
discussão de ideias, por princípio mas também propaganda aberta, senão
imposição, dum ideal revolucionário: republicanismo, socialismo, religiosismo
interior sem dogmas e sem hierarquia, função social da arte, etc.
Conferências
realizadas: A sala das conferências estava aberta a toda a classe de pessoas,
exigindo-se apenas o pagamento de um tostão para despesas.
E
começaram; após um discurso inaugural de Antero com o título "O Espírito
das Conferências" (22 de Maio de 1871), ele mesmo proferiu, em 29 de Maio
a primeira conferência.
1ª.
Conferência: "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares" - segundo
o autor, essas causas reduzem-se a três:
q a cintura em que o Catolicismo da
Contra-Reforma isolara a Península das ideias do resto da Europa;
q a centralização do poder nas mãos dos reis e a
diminuição das liberdades concelhias;
q o excessivo desenvolvimento das conquistas,
que arruinaram a economia portuguesa.
2ª.
Conferência: "Literatura Portuguesa" - teve lugar em 5 de Junho e
proferiu-a Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras.
Afirmou
que Portugal só tivera autêntica literatura em Gil Vicente, Camões, Soares dos
Passos e Júlio Dinis.
Mostrou-se
defensor de gostos estéticos universais, negando que a literatura verdadeira
tenha de andar sujeita ao paladar dos tempos e escolas.
Também
não admite a literatura como expressão da sociedade.
Disse
que entre nós não se sabia ainda o que é o romance.
Causas
desta decadência? A Imprensa. Remédios? O regresso à educação e à literatura
com base na moral e com Deus por finalidade.
3ª.
Conferência: "O Realismo como nova expressão da arte" - fez esta
conferência, em 12 de Junho, Eça de Queirós.
Defendeu
teorias estéticas relativistas (estética condicionada pelo solo, clima, raça,
cultura, política, etc.), inspiradas em Proudhon.
Condenou
a fórmula "arte pela arte.
A
arte, deve ter uma finalidade: corrigir e ensinar. Para isso, tem de basear-se
na lei moral e científica.
Só
no Realismo é que é possível criar uma arte assim, uma arte capaz de revolucionar
a sociedade.
Segundo
Eça, a arte literária deve ter três qualidades essenciais: ser bela, justa e
verdadeira.
4ª.
Conferência: "O Ensino" - pronunciou-a Adolfo Coelho, em 19 de Julho.
O
conferencista, professor do Curso Superior de Letras, criticou todas as
instituições escolares portuguesas desde a escola primária à universidade.
Propugna
o desenvolvimento dos estudos filosóficos e sociais e defende o laicismo no
ensino.
Proibição
das Conferências: Estava anunciada para 26 de Junho a conferência de Salomão
Sáragga sobre "Os Historiadores Críticos de Jesus". Quando o público
já se dirigia para a sala foi notificado de que uma portaria assinada pelo
Marquês de Ávila e Bolama, presidente do Ministério, proibia de vez a
continuação das conferências, sob pretexto de atacarem a religião e as
instituições políticas do Estado. Os organizadores, furiosos, dirigiram-se ao
Café Central no Rossio. Aí redigiu Antero um comunicado de protesto, que veio
publicado nos jornais do dia seguinte. De nada adiantou.
Assim,
ficaram para sempre silenciosos, além da citada de Salomão Sáragga, as
conferências já anunciadas de Batalha Reis (O Socialismo) ,de Antero de Quental
(A República), de Adolfo Coelho (A Instrução Primária) e de Augusto Fuschini
(Dedução Positiva da Ideia Democrática).
Não
obstante a sua curta duração, não podemos deixar de assinalar o impulso que
estas conferências deram às doutrinas do Realismo, já expostas nos folhetos da
"Questão Coimbrã".
«AS FARPAS»
Publicação:
no mesmo ano em que tiveram lugar as conferências, Eça de Queirós e Ramalho
Ortigão iniciaram a publicação de "uma crónica mensal da política, das
letras e dos costumes" (como diz Eça em carta a Emídio Garcia).
Saiu
essa crónica com o nome sugestivo "As Farpas".
Por
mais de uma vez Eça comparou a sociedade portuguesa do seu tempo a um animal
dorminhoco, pachorrentamente imobilizado na arena do mundo.
Entendeu
que a arte realista tinha por missão farpear esse animal, a ver se sairia da
imobilidade glacial em que hibernava.
Não
quis usar bons modos nem palavras mimadas; preferiu a sátira e a ironia.
Essa
é a razão de ser do periódico.
Colaboração
de Eça: Eça não colaborou n‘«As Farpas» durante muito tempo. Em 1872,
retirou-se para Cuba, ficando Ramalho sozinho. Enquanto Eça pontificou, «As
Farpas» encheram-se de críticas verrinosas a muitas instituições e costumes
tradicionais e à literatura romântica. Por esta razão, contribuíram também para
o advento do Realismo, como a "Questão Coimbrã" e as
"Conferências do Casino".
Sob
o aspecto literário, Eça critica: o lirismo romântico, hipócrita e mentiroso; o
romance passional, apoteose de adultérios; o teatro, puramente declamatório. O
estilo é sempre humorístico, zombeteiro. Desejavam os críticos emendar o mundo
com o riso, de harmonia com o ridendo castigat mores "o riso é um
castigo; o riso é uma filosofia" - afirmavam os dois, armados em
bandarilheiros. E acrescentavam: "passa-se sete vezes uma gargalhada à
volta de uma instituição, e a instituição alui-se".
Os
artigos de Eça de Queirós foram reunidos em dois volumes e publicados com o
título de Uma Campanha Alegre (1890-1891).
Colaboração
de Ramalho: O temperamento e a educação de Ramalho Ortigão não eram de molde a
levá-lo a passar a vida a dar pontapés na entorpecida sociedade portuguesa.
Saído da velha geração romântica, só tarde aderiu ao Realismo. Deixou-se levar
por Eça na corrente. Porém, logo que pôde, saltou para a margem e orientou a
actividade literária para destino diferente. Continuou a publicação d' «As Farpas»,
lançando para as mãos dos leitores um total de 15 volumes. Mas o conteúdo
começou a ser outro. Sem deixar de fazer crítica, procurou ser mais construtivo
do que demolidor. E ei-lo transformado em mestre que ensina: orientações
pedagógicas, princípios higiénicos, normas de conduta social.
Peregrinando
através das terras de Portugal, viu-se enfeitiçado pela paisagem e pelo povo e
descreve com entusiasmo e gosto: o colorido das feiras e arraiais; a beleza das
cidades, vilas e aldeias; a policromia dos trajes regionais, o pitoresco das
praias e termas.
Ramalho Ortigão arredou-se do caminho inicial. No final de «As Farpas»,
atreve-se a criticar até os primeiros anos do governo republicano e o
liberalismo.
CONCLUSÃO
O
movimento realista, iniciado com a "Questão Coimbrã", recebeu enorme
impulso das "Conferências do Casino" e começou a ser concretizado nos
artigos d‘«As Farpas».
Depois
de 1870, mesmo os seus mais irredutíveis adversários, como Camilo, vergavam a
coluna ao jogo das novas teorias da arte.
E
ou as tentavam (foi o caso do velho romancista) ou então perdiam os leitores.
Eça
de Queirós não tardaria a captar as simpatias do público com os seus romances e
com uma prosa diferente da antiga.
O
Romantismo sofreu uma remodelação total.